5.2.06

I

Apenas me escondes a terra que te serve de poiso. Num rosto de menina indefesa, inocente, arrumada, estendes-me o braço para que eu caminhe contigo.
Continuo a concordar contigo quando me dizes que os gestos dizem mais do que as palavras. Cada gesto teu comporta seis palavras minhas: «O teu sorriso também é meu». Quando me estendes a mão, a descansas junto da minha face, a fazes deslizar pachorrentamente num movimento único e continuado, suave como seda, sinto que me soletras essas palavras, letra a letra, som a som. As tuas mãos sempre me disseram muito mais do que a tua voz. Nas mãos temos o poder divino de tocar, sentir, unir. Com a voz não sentimos, apenas temos a recordação de um dia ter sentido. De um dia ter unido, mas não mais unir. Queria saber falar como as tuas mãos, dizer aquelas palavras ferozes com que me falas em gestos. Com as mãos somos capazes de apontar o que odiamos e acariciar quem amamos. De fazer a Guerra e exigir a Paz. Com as mãos somos capazes de construir pontes e destruir virtudes. De expurgar sentimentos e receber olhares. De falar dos sonhos e de calar as desilusões. Somos capazes de tudo, até de amar. Principalmente de amar. Porque amar é sentir, é unir, é tocar, é alimentar, é estimular, é desejar e por fim…conquistar. Não é ouvir a voz do outro dizer-nos sons que apenas temporariamente estão dentro de nós. De passagem, apenas por um instante. E logo logo se esquecem, se eliminam, se dissipam. E apenas nos restará a recordação, por vezes distorcida e errónea desse som, cada vez mais distante e esquecível. Os gestos não se esquecem, porque são sentidos e não ouvidos. São parte nós, não são exteriores a nós. Não são um sonho, são antes a mais pura de todas as verdades.

O que nos será, então, mais nutritivo para o sangue? O desejar ou o conquistar?

A espécie de superioridade que espelhamos na pessoa, de corpo inteiro, à nossa frente não é mais do que a manifestação de vida do micróbio da apropriação de outrem, que habita bem dentro de nós. Vemos o outro como inferior, de menor qualidade do que nós próprios nos vemos a um espelho interior. Numa espécie de poder imergido da virtude da posse, da conquista. O desejo devolve-nos essa igualdade que o sentimento de propriedade nos roubou, de olhos à mesma altura, de mãos niveladas pela decência e pelo afago. O desejo é democrata, a conquista é ditadora.
Ao desejarmos alguém estamos a exercitar aquilo que de mais belo o amor nos dá: exactamente, o desejo. Desejar é muito mais do que conquistar. Conquistar é apenas ter, desejar é querer ter. Desejar é intenso, é correr atrás de algo, é viver respirando a ilusão de um dia conquistar. Ou ser conquistado. Desejar é pensar em conquistar. Conquistar é meramente ter. Aquilo que todos procuramos não é ter alguém mas sim desejar alguém. A magia do desejar uma pessoa esgota-se no momento em que a conquistamos, passa a ser interior a nós quando o desejo a mantém exterior. É-nos mais importante saber que queremos alguém do que saber que temos ou conquistamos alguém. Quando somos conquistados ou conquistamos, ficamos sem a parte mais importante que tínhamos, a metade que representava o querer. A parte que nos faz tremer a alma quando pensamos no nosso desejo. A parte que nos faz acelerar a respiração. Que nos faz bater o coração com a maior de todas as forças. O conquistar é muito mais frouxo e enfadonho do que a beleza do desejar. Por isso te desejo e não te quero.


jtf

0 Comments:

Post a Comment

<< Home