2.7.06

XII

Combinei contigo. Marquei. Como fazem as secretárias para as reuniões de trabalho dos cabecilhas grandes. Linhas e linhas de agendas entupidas de encontros, de compromissos, de leviandades com hora marcada. Será que tens tempo para mim? Concertámos para as quatro, hora dos trabalhadores só de nome, aqueles que se dão ao luxo rançoso de cunhar encontros para as horas de labuta. Sentei-me numa mesa vazia, quatro cadeiras em estrela, esplanada fardada de encarnado, rodeada de outras cadeiras e de outras mesas ao abandono, sem pessoas,
- para falarmos à vontade, dizermos segredos apenas aos ouvidos das cadeiras -
, ainda o ponteiro não fixava os segundos nos cinquenta. Ajeito ligeiramente os óculos dançantes na transpiração da cana do nariz. O sol batia-me na testa, torrava-me a coragem em carvão preto. Vou pensando na gramática do encontro, na forma como te diria boa-tarde, como te olharia, como te cumprimentaria, como te perguntaria pela escola, pela vida. Como que estagiando para a hora do jogo. O tempo afinal vai passando. Dias, meses e anos. Por certo estás diferente, mais adulta, o rosto mais consumido, a voz mais afinada com a idade. Suspeito-te os olhos na mesma. Grandes como clarão em esfera, em máximo ardente.
Não consigo dormir quando nos recordo, inocentes e verdes como crianças de colo,
- apesar da dezena e meia de aniversários –
, quando lembro a brisa da areia da Caparica a tapar-nos as narinas, o odor a tabaco húmido que fumavas nos intervalos da respiração,
- discutimos tanto sobre o tabaco, Joanna, tanto –
, o vento da praia a esbofetear-nos a face, a Caparica, os chinelos de dedo, vestígio da mais pura liberdade que as férias podem traduzir, as saídas até às dez da manhã, os pequenos-almoços antes do sono, a Caparica, as noites a escrever o futuro em bloquinhos pequenos, as promessas de esquecer o passado em folhas de papel grandes. Que boas que foram as férias do final de escola. Certa vez, finalmente, tive a certeza que me olhaste com o brilho dos interessados. A cadência do pestanejar afirmou-o, claramente, como algodão branco. Vi nos teus olhos os bloquinhos com o futuro escrito, o teu nome na capa, em grande, JOANNA, por festivos instantes agarrei o sonho em pé, com os olhos pasmados a servir de porta. Se o dissesses por certo que não acreditaria, mas olhaste,
- os teus olhos falaram e eu sei que não mentem –
, a tua pálpebra beliscou-me a orelha esquerda, a retina acariciou-me o queixo como dois dedos de mão e ao acariciares-me o queixo quase acreditei em ti. Ao beliscares-me a orelha acreditei de vez.
Passou. Fiquei com as certezas sentadas num banco, imaginando que equação poderia fazer com que uma gaja como tu,
- de olhos grandes em aceso clarão -
, se interessasse por um gajo como eu, de óculos que dançam no nariz, exageradamente gordo para a altura, que nem sequer fumava como os gajos másculos.
Enquanto tentava matar a charada, chegas à esplanada encarnada do encontro, trinta minutos depois das quatro. Porque afinal ainda há coisas que o tempo não muda.

jft

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