11.2.08

XXXI

Há doze anos que não sinto isto, isto, nem sei bem o que é, uma angústia, uma pontada, parece que o coração fica pequenino e mirrado que por vezes nem vê-lo, nem vê-lo, bem que se procura por ele mas some-se como água em ralos de banheira, Por vezes dou por mim imaginando-me água, sumindo sem que ninguém me observe sumindo, nem sinta que sumo, nem sequer que reste nada de mim nos buraquinhos do ralo,
- Não sobrou nada do que eras
, de modo que há doze anos que não sinto este aperto, tenho como claro que nenhum médico encontrará a torneira de que brota, por vezes há dores que não se encontram, surgem apenas como que sopros de vento, sopros de vento de Invernos ou Outonos mal resolvidos, dias e dias de chuva, alagados obscuros, tão mal resolvidos que parecem discussões gritadas, Há mais de doze anos que não sentia esta dor, As árvores sorriam felizes, pardais que cantavam letras perceptíveis, cheiro a coisas diversas que nem consigo enumerar, possivelmente azevinho chuva, outros odores, aquele que se cria quando a chuva adormece sobre a telha das casas, o desenho do entardecer por decima do telhado da arrecadação, Por vezes dou por mim a achar que voltando o tempo para trás conseguia resolver esta dor, descobrir-lhe a torneira, fechá-la, e congelar a dor até ao ponto de esquecer-me dela e deixá-la morrer como morrem plantas à sede, pensar,
- Anda, morre, morre
, e pensar com tanta força que até se distinguiam na perfeição os relevos das veias no pescoço,
- Anda, morre, cabra
, sento-me junto da escada da entrada e desenho um braço meu junto ao teu, uma coisa parecida com um sorriso esperando outro teu que respondesse, um género de pássaro animando o horizonte, uma chave qualquer que voltasse a dar corda ao relógio do meu pai e o impedisse de cessar, voltá-lo a ver com vida, caminhando e esbracejando sem parar, sem parar, São quatro e meia da tarde e nunca mais foram cinco,
- Nunca mais foram cinco
, desde há anos que nunca mais são cinco,
- Nunca mais foram cinco, porra
, até hoje que nunca mais são cinco, E parece-me que o tempo congelou às quatro e meia e lá conseguiu resolver a dor dele, descobriu-lhe a torneira, fechou-a e esqueceu-se da dor de vez, Entoando a sua melhor voz gritou-lhe,
- Matei-te, a ti, cabra
, de tal maneira que até se distinguiam na perfeição os contornos das artérias na garganta, E sem que saiba muito bem a razão volto a sentir isto, esta angústia, uma pontada, o coração apequena-se tanto, por vezes nem vê-lo,
- Nem vê-lo, ouviste?
, bem que se procura por ele mas nada, Nada, Por vezes dou por mim imaginando-me vento, subindo e descendo sem que ninguém me observe assobiando, nem sinta que sopro, Nem sequer que nada de mim reste até que anoiteça de vez, Até que anoiteça de vez.

jtf