12.5.09

XXXV

Início da Corrida, Parte Um

Quando os sons dos moinhos circundam a casa, começo a animar-me como se animam as marionetas, uma força de cordelinhos tão coordenados que a própria noção de coordenação se esvai concentrando-se em grãos de pólen amarelos e esverdeados, todos uns em cima dos outros construindo pirâmides de coordenaçõezinhas pequenas que se sucedem, Com a primavera começa a entrar tudo pela janela, recordações antigas, poemas diversos, Com a primavera começam umas angústias a dissipar-se enquanto outras mais pesadas se vão formando e adquirindo formas de abutre, formas de abutre, magrinhas ao início e quando menos damos por ela engordam com uma força que julgamos impossível, Com o chegar da primavera destapam-se alçapões envelhecidos obtusos, gavetas escondidas abrem-se e nem sequer nos damos conta que fechadas há tanto,
- O pó que isto tem
, não sei por que razão guardamos os passados em pedaços-de-papel a que chamamos carinhosamente,
- Recordações
(, a que chamamos carinhosamente,
- Recordações das recordações)
, espelhos enrugados do que fomos, pedaços esvoaçantes do que seríamos, esperançados que os futuros se cumpram E hoje poderei dizer que,
- Nunca se cumprem
, hoje posso dizer, E é um nunca tão grande que mesmo que estique os horizontes não lhe descubro os calcanhares, Nunca se cumprem é certo, contudo arrastamo-nos com a força de ventos vindos de hemisférios desconhecidos, nortadas que nos arrastam anos e anos infindos que por vezes,
(ainda tontos com a desordem dos hipopótamos)
, nos esquecemos que nos arrastamos cabisbaixos e tristes por ruelas de que não sabemos o nome, De que não saberemos o nome,
- Rua da Aflição, Senhor
, sem lhe sabermos sequer o nome, perdidos de uma perdição futura, embebidos em líquidos lavas cortantes por punhais que descobertos nos parecem indefesos e bem vistas as coisas afiados de afiados e assim que nos damos conta por mais que corramos não conseguimos libertar as amarras afiadas e afiadas por líquidos e lavas cortantes que queimam como um punhal sangrento, Sem sabermos o nome, Os nomes,
- Rua do Desconhecido, Senhor
, esquecidos que ruas e ruas perpendicularmente suspensas nos guiarão,
(não sei se me ouvem, senhores)
, nos guiarão por janelas e recordações antigas, Que poemas diversos cantarão por futuros ainda por sonhar,
(não sei se me ouvem, Ouvem-me?)
, Com a primavera a chegar não consigo descrever a cor que as flores constroem quando se debruçam, O Jardim da Estrela parece um presépio gigante e atrasado de um Natal que já desfilou, há recordações diversas como que poemas em forma de eucaliptos e azinheiras em flor, Há primaveras que nascem,
- Aqui estou
, espero que me tenham ouvido bem, porque quando o ruído dos moinhos rodeia a casa, começo a agitar-me como se agitam as marionetas, são cordelinhos tão coordenados que a própria noção de coordenação se esvai, Conjuntos de imagens umas em cima das outras construindo pirâmides de imagens pequeninas que se sucedem e sucedem e sucedem, Até se dissiparem em lentidão.

jtf